sobre sonhar com a realidade
Mário de Andrade, experienciar tempos profundos e links maravilhosos.
desde que assisti "AmarElo - É Tudo Para Ontem", doc do Emicida na Netflix, fiquei com vontade de entender mais sobre a importância de Mário de Andrade pra cultura do Brasil. Mário é citado logo no início e algumas outras vezes ao longo do filme.
o pouquinho que aprendi sobre o Modernismo brasileiro na escola/faculdade não tava dando conta da minha curiosidade. então, numa visita pandêmica à Megafauna, comprei essa preciosidade:
e assim… tô apaixonada.
“Uso palavras em liberdade. Sinto que meu copo é grande demais para mim, e inda bebo no copo dos outros.”
parte do ‘Prefácio Interessantíssimo’ da coleção de poemas ‘Paulicéia Desvairada’, de 1922.
Mário foi um intelectual, poeta, romancista, professor, musicólogo, fotógrafo, crítico e historiador de arte, jornalista, gestor cultural, mas acima de tudo, foi brasileiro. “Escrevo brasileiro”, dizia. ele articulou o Modernismo no Brasil, junto de outros artistas da época, através de suas vivências, reflexões e estudos, de maneira consistente. fazia muito e de tudo.
as vivências eram tão importantes quanto os estudos e esse é um ponto fundamental. ele navegou, registrou e deu sentido à cena cultural brasileira daquele tempo. numa carta à Carlos Drummond de Andrade:
“Tudo está em gostar da vida e saber vivê-la. Só há um jeito feliz de viver a vida: é ter espírito religioso.
Explico melhor: não se trata de ter espírito católico ou budista, trata-se de ter espírito religioso pra com a vida, isto é, viver com religião a vida. Eu sempre gostei muito de viver, de maneira que nenhuma manifestação da vida me é indiferente. Eu tanto aprecio uma boa caminhada a pé até o alto da Lapa como uma tocata de Bach e ponho tanto entusiasmo e carinho no escrever um dístico que vai figurar nas paredes dum bailarico e morrer no lixo depois como um romance a que darei a impassível eternidade da impressão.
Eu acho, Drummond, pensando bem, que o que falta pra certos moços de tendência modernista brasileiros é isso: gostarem de verdade da vida. Como não atinaram com o verdadeiro jeito de gostar da vida, cansam-se, ficam tristes ou então fingem alegria o que ainda é mais idiota do que ser sinceramente triste.
(…)
Estudar é bom e eu também estudo. Mas depois do estudo do livro e do gozo do livro, ou antes vem o estudo e gozo da ação corporal.
Veja bem, eu não ataco nem nego a erudição e a civilização, ao contrário respeito-as e cá tenho também (comedidamente, muito comedidamente) as minhas fichinhas de leitura. Mas vivo tudo. Que passeios admiráveis eu faço, só! Mas ninguém nunca está só a não ser especiais estados de alma, raros, em que o cansaço, preocupações, dores demasiado fortes tomam a gente e há essa desagregação dos sentidos e das partes da inteligência e da sensibilidade.”
Mário sonhava com a realidade que queria viver. sonhava e materializava. um realistic dreamer.
Mário de Andrade, Sombra minha (1928)
tô vidrada no livro, na história de Mário de Andrade e em sua sensível existência. um homem que acolheu o feminino em si. muito se fala sobre sua sexualidade, se era bi, gay, assexuado… são várias teorias, mas não é disso que se trata. escrevo sobre sua abertura à sensibilidade.
sinto que Mário viveu tempos profundos.
sabe quando algo te toca? aquele momento em que a beleza do mundo se revela?
uma frase que alguém diz ou que você lê, uma cena do cotidiano, trecho de uma música, um gesto, pessoa, imagem… aquele momento que o tempo anda mais devagar, quase parando.
essa sensibilidade, de sonhar com a realidade e abrir espaço pra experienciar tempos profundos. não dizem que a realidade existe onde a consciência está? pois bem.
ainda não acabei o livro, mas já levo comigo que nossa verdade não precisa de validação:
“Canto da minha maneira. Que me importa si não me entendem?”
ser tudo o que se é. ♥
falando em Modernismo, a Semana de Arte Moderna de 1922 aconteceu há 99 anos.
com o centenário do movimento se aproximando, a última edição da Brooklyn Rail convidou diferentes pensadoras, pensadores e artistas brasileiros para considerar o significado da Antropofagia num contexto contemporâneo:
“Nosso objetivo com esse conjunto de textos e imagens é considerar a história desse conceito e como ele existe atualmente e se expressa dentro da arte contemporânea brasileira. Quem consumiu e digeriu quem desde antes e depois de que Oswald de Andrade publicou o Manifesto Antropofágico? O que significou para a natureza polivalente do Brasil as oscilações do poder político entre uma ditadura, a democracia e uma volta ao autoritarismo? A Antropofagia foi relevante em algum momento e/ou continua sendo agora?”
com as perspectivas de Sandra Benites, professora, antropóloga e curadora do MASP, sendo a primeira curadora indígena a ser contratada por um museu de arte no Brasil.
Rosana Paulino, que em 2018 se tornou a primeira artista mulher, negra e brasileira a realizar uma exposição individual na Pinacoteca, em São Paulo(!!!).
tem também o ReAntropofagia de Denilson Baniwa, e o Manifesto da Antropofagia Periférica de Sergio Vaz. e muitas outras matérias.
leiam, são olhares necessários pra gente seguir adiante. a edição toda tem tradução para o português no início de cada artigo.
Rosana Paulino, Búfala (2020)
. eu tô chocada com esse site. uma enciclopédia colaborativa de estéticas, dedicada à identificação, observação e documentação de ‘estruturas visuais’.
cheguei nele através dessa matéria muito boa do The Atlantic e são milhares de estéticas mapeadas, um rolê muito geração Z. vaporwave, weirdcore (perfeitíssimo), cottagecore, scene.
no Aesthetics Wiki, cada cultura tem sua definição, uma galeria de imagens, filmes, séries e livros que se relacionam ao movimento. TEM DE TUDO! E É MUITO ESPECÍFICO! dá pra perder um tempinho, já aviso.
o site é gringo e me fez pensar: imagina que tudo um Wiki da Estética BR???
. um rolê de carro por diferentes cidades do mundo, com trilha sonora local! (via news do Hysteria)
. um fio MUITO BOM no Twitter que mostra como muitos de nós aprendemos música clássica assistindo a desenhos animados antigos. obrigadatom&jerry. (via semibreve, que amo)
. um site que dá acesso a várias rádios do mundo. (via semibreve também ♥)
. já falei aqui sobre a Julia Cameron, seu livro ‘O Caminho do Artista’ e as páginas matinais. esse artigo da Lalai faz um resumão bem bom sobre e pode te convencer também.
. sempre tem muita coisa boa na Gama. separei essa conversa com Alma Guillermoprieto, jornalista mexicana, sobre o feminismo hoje no cenário latino-americano, as conquistas e os caminhos das mulheres para mais liberdade e poder.
. e esse questionário com Zé Celso, diretor de teatro. a resposta dele pra pergunta “O que ou quem é o maior amor da sua vida?”:
“Eu tive muitos amores da vida. Amor, como eu entendo, é plural. Tem o amor libidinoso, que é o mais forte, e ele constrói. Constrói filhos e obras de arte. Toda obra de arte nasce do amor. Todos os meus amores são relacionados à criação.”
. artigo foda do NYT sobre por que precisamos de uma rede de amizades casuais, pra além dos amigos mais próximos.
“Muitos de nós acham que não vale a pena ter esses tipos de interação, que não trazem nada de significativo. Estamos sempre focados no que virá depois e não paramos e aproveitamos aquele segundo para aproveitar o momento.”
. e outro do The Atlantic sobre como a pandemia nos fez perder esse tipo de interação.
. playlist que Virgil Abloh fez pra Highsnobiety, moodzinho jazz, bão demais. (via Música em Casa)
. cês viram aquele app Dispo? a interface simula uma câmera analógica e todas fotos que forem tiradas num dia só estarão disponíveis às 9h do dia seguinte, sem possibilidade de edição nem legenda. a proposta é de uma relação mais saudável com as redes sociais. eu ainda tenho alguns convites sobrando, quem quiser, me dá um alô. e quem tiver por lá, bora conectar, me encontrem no @jeziz.
. um gerador de bio do clubhouse, eu ri kkkkk
. se você tiver afim de ler um livro que deixe o coração quentinho, a dica é ‘O filho de mil homens’ do Valter Hugo Mãe. minha amiga Carol me emprestou e é só amor.
Jeffrey Cheung, Upside (2020)
showzásso do metá metá pra fechar:
obrigada por ler o Confusa,
um beijo e até a próxima ediçãaaao (em algum dia de abril).