Elizabeth Huey, We Ride Nightlong (2019)
finalizei um relacionamento de quase 5 anos durante a pandemia e me vi depois de um tempão, solteira. estar sola me trouxe uma libertação da necessidade de ser amada pelo outro o tempo todo. conto muito mais comigo mesma pra isso, o que é maravilhoso.
maravilhoso também é (re)conhecer intimamente novas pessoas. sentir como reagimos aos outros e como os outros reagem à nós. como o outro fala, se comporta, se veste, beija. quais são suas brisas.
as trocas se constroem de diversas formas, pois um outro ser é um universo inteiro. quando se trata de gente, tudo é normal. e nada é normal.
já escrevi aqui no Confusa sobre a poesia de estar só (uma das minhas edições preferidas), mas existe uma limitação na solidão completa. me lembra uma frase que Oswald de Andrade escreveu no Manifesto Antropofágico lá em 1928 (num contexto completamente diferente, é claro): “Só me interessa o que não é meu.”
nos encontros, nossa existência faz sentido. e é claro que existem todos os tipos de amores, além do romântico — só que isso é papo pra uma outra edição.
até aqui, tudo muito bem. só que o contexto pandêmico limita tudo à paquera online — o que eu, particularmente, acho bem complexo. tanto é que fui pedir ajuda lá no Instagram do Confusa, pra entender como a minha bolha (vocês ♡) tá percebendo e vivenciando isso. são basicamente duas formas de se conhecer alguém online: redes sociais (principalmente o Instagram) ou apps de paquera (Tinder, Bumble, Happn, Grindr, Adote um Cara, etc).
a preguiça dos apps de paquera é quase unânime, as pessoas sentem falta da uma conexão real com o outro, os papos são rasos e as relações casuais (basicamente um encontro pra transar e boas). dá a sensação de que qualquer um serve. uma leitora disse:
“é uma grande vitrine. como passear por horas no shopping, rodar todos os pisos e não encontrar o que você procura, cansativo demais.”
os matchs parecem ter mais a ver com um lance de auto estima, de se entender como objeto de desejo do que em estar aberto pra conhecer alguém. também ouvi que o match faz com que o “mistério do flerte se perca, é mais legal quando fica subentendido”.
baixei o Bumble pra ter propriedade no assunto e a preguiça pela mecânica do troço é muito maior do que a vontade de conhecer alguém. não importa quão interessante a pessoa pareça (tiveram várias!), é tudo meio vazio mesmo.
falta um pequeno mistério nos apps de paquera, aquela dúvida inicial, o friozin na barriga. já no Instagram, um flerte traz, mesmo que minimamente, essa sensação. talvez por ser o que mais se assemelha à uma praça pública atualmente: “me conecto com pessoas que têm interesses parecidos com os meus e estabeleço um diálogo… aproxima pessoas que poderiam nunca se conhecer de outra forma.” dá pra entender um pouco mais sobre alguém do que no Tinder, vai.
uma vez com a paquera bem sucedida, vem o sexo. generalizar não é meu rolê, mas uma questão foi continuamente levantada nas conversas com as leitoras e leitores: em relações heterossexuais, será mesmo que os homens só querem transar e as mulheres buscam algo além disso?
transar uma vez só e nunca mais pode ser bom, mas se relacionar com pessoas que temos alguma conexão não é muito melhor?
não é sobre transformar a relação em algo fixo, namoro, ou o que quer que seja, mas sim sobre intimidade. enxergar e conhecer alguém além do sexo. afinal, se estamos ali, algo nos interessa, nos deixa com o mínimo de curiosidade.
tem muito cara por aí (sempre eles), achando que todas as pessoas do mundo cairão de amores por ele, e acabam se relacionando de um jeito efêmero, com medo de ‘se envolver'. na real, não se dão o mínimo espaço interno pra entender seus próprios sentimentos/emoções.
se relacionar é entender o que se quer e se fazer entender. ao mesmo tempo, não temos controle sobre como seremos interpretadas pelo outro. desapego, né?! as pessoas simplesmente nunca irão experienciar o mundo da mesma forma que nós mesmas.
no fim das contas, ando otimista.
não somos o que parecemos ser, somos mais que isso.
mais legais que na internet. pode crer.
Paul Mpagi Sepuya, Mirror Study (2017)
links sobre amor ⦙
. a pandemia, os solteiros e a sensação de oportunidades perdidas. [Vox, em inglês]
. Amar sem possuir. [Elástica]
. Mulheres narram suas descobertas sexuais e como conseguiram fugir do roteiro que ainda privilegia o prazer masculino na cama’ [Elástica]:
A pornografia é uma simulação que pouco ou nada tem a ver com a realidade, o que pode resultar na construção de uma relação egoísta com o prazer. “Se aprende a transar com um espectro de gente, um simulacro, não com pessoas reais, que têm nome, endereço, sentimentos e sonhos. Isso diminui a capacidade de ir ao encontro do outro, fica mais difícil se afetar pela presença real da outra pessoa, da parceria”
. 14 artistas sobre a importância de retratar o amor queer. lindimais. [Artsy, em inglês]
.Governo do Japão vai ajudar a financiar inteligência artificial para formar casais. socorro. [G1]
. Em tempos de pandemia, uma simples bitoca ganhou status de joia rara. [Hysteria]
. conheci o jornalista mineiro, Geraldo Mayrink, através desse site, que reúne mais de 900 artigos, escritos entre 1960 e 2000.
“Uma plataforma para apreciadores de boas histórias, leitores curiosos e desavisados, pesquisadores e estudantes, em especial os futuros jornalistas e comunicadores”, escreve Gustavo Mayrink, seu filho e criador da plataforma. fiquei navegando um bom tempo por lá e a entrevista que ele fez com Rita Lee em 1981, tá especial. um trechito:
Rita | A gente, eu e o Roberto, tinha acabado de transar. Estávamos suados. O Roberto pegou um violão que estava ao lado da cama e eu ainda fiquei meio zoneando, feliz da vida, explodindo os corações todos. E aí ele começou a fazer aquele lance de melodia e de música. De repente eu falei assim: “Eu conheço essa música”. Eu estava um pouco no futuro, assim como aquela sensação de já conhecer uma música apesar de nunca ter ouvido. Foi uma coisa muito leve. Ninguém puxou nada. (A música) Mania de você foi um fundo musical para uma situação de profundo tesão, de amor às últimas consequências. Foi a mesma coisa que transar, ter transado. A gente ficou apaixonada pela gente mesma. Foi uma das poucas vezes em que perdi aquela autocrítica que eu tenho e que destrói tudo, completamente.
. Rita Lee, melhor pessoa. [Twitter]
. belo relato e análise do Rodrigo Ghedin, sobre ‘A vida sem Instagram’. [Manual da Usuário]
. BBB 21 não é a alienação de que o Brasil precisa, mas a que merecemos. [TAB UOL]
. I Recommend Eating Chips. [NYT, em inglês]
. lista com 40 livros escritos por mulheres no século 20, por Elena Ferrante, autora de "A Amiga Genial". [Folha]
. viagens pelo mundo via Google Street View [Random Street View]
. Michael Pollan: “Psicodélicos podem trazer uma nova perspectiva à vida”. [Gama]
. Jane Jacobs: quem foi e porque ela é a urbanista mais influente do mundo. [Chicken or Pasta]
. O que significa ser negro no Brasil. [Vox, em inglês mas é possível ativar as legendas em português]
Caleb Hahne, Sauvie Island (2019)
. tô viciada no último álbum da Kali Uchis:
. nesse aqui da Jazmine Sullivan também:
. entrevista do MonkeyBuzz com a jornalista Kamille Viola, que escreveu o livro ‘África Brasil: Um Dia Jorge Ben Voou para Toda a Gente Ver’, sobre o 14º álbum da carreira do cantor, o ‘África Brasil’.
. Caetano, Gal Costa e João Gilberto gravaram um especial para a TV Tupi em 1971. depois de 50 anos, o produtor musical Pedro Fontes conseguiu recuperar e tratar o áudio do show:
. Ubiratan Marques e a Orquestra Afrosinfônica. aliás, a Revista Bravo entrevistou Ubiratan e tá bem massa.
Eric Gerdau, Candela (2020)
é isso por hoje.
muito obrigada por ler o Confusa,
Jess
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