sobre esticar as coisas ⦙
praiaesol — o combo impecável que compôs meu último mês de 2021.
se pudesse lamentar algo, que fosse o fato de que o mar de Ilha Comprida me obriga a pisar em bolachas-do-mar e outros seres marinhos que moram embaixo da areia. é das piores sensações que um ser humano pode experienciar? não. sinto como se fosse? talvez.
tem um primeiro de tudo: tô na casa deles e chego pisando neles, não sou íntima, não é de bom tom e com certeza não sou bem-vinda.
segundo de tudo: superfícies não entregam tanto quanto profundezas. mas é preciso passar por pra chegar até onde se quer. é imperativo pisar nos equinodermos (obg wikipedia) pra alcançar o almejado não-dar-pé.
pois bem.
de volta à São Paula, Camila me deu a missão de atravessar Tudo é Rio, da Carla Madeira, um livro sobre relações trágicas e amores e tabus e putas e beatas e… desaguamentos.
sou suspeita pra falar mas Tudo é Rio é uma obra escorpianica: águas fundas e movimentadas, bem onde existo. lembra que falamos sobre meus 5 planetinhas nessa constelação no Confusa ⦙10?
“das muitas [coisas] que não sei, uma é nadar. aqui é sol-vênus-mercúrio-júpiter-plutão em escorpião. ou seja, das profundezas. mas tem que dar pé — caprica no ascendente.”
de lá pra cá, aceitei o não-dar-pé e aprendi a nadar. adivinha só? foi num rio, bem do escuro. lindo de tudo.
levei dois diazinhos pra chegar do outro lado desse transbordamento porque os escritos da Carla são incontroláveis mesmo, a vontade é parar o tempo e viver pra ler. e que delícia ser levada pela correnteza.
o indomável dela tem um peso particular aqui: nosso mundo opera através de uma obsessão pela metrificação de todas as coisas, principalmente do nosso tempo. e é assim que se controla a vida, no pior dos sentidos. o cálculo elimina a subjetividade.
a arte, ao contrário, faz o tempo esticar. modifica nossa percepção e nos leva pras nossas próprias profundezas, se a gente permitir.
os tempos têm seus próprios tempos, nem sempre quantificáveis.
não podemos deixar a subjetividade de todas as coisas ir embora.
é verdade, todo dia é hoje.
minha amiga Julia voltou ⦙
se você não leu a edição passada, Julia passou a ter uma seção dentro desse boletim querido de nossos corações, pois confusas uni-vos. ♡
e apreciemos:
dormir perto do mar
esses tempos eu escrevi um texto, mas acho que escrevi na minha cabeça e não no papel - e definitivamente não no computador, porque já procurei horrores e não encontrei.
procurei no meu caderno, no Pages fechado com senha que eu costumo alimentar de coisas que eu ainda não tenho coragem de falar em voz alta, no bloco de notas, no Notion. nada.o que eu lembro é que eu tava dormindo muito perto do mar na época.
da casa eu ouvia as ondas, via a lua - esse foi um tempo de fazer as trilhas de acesso pra praia do campeche à noite, sem conseguir enxergar nada, só ir.
já na praia meu olho se acostumava com a noite e eu via tudo.
a extensão da praia, a restinga, a areia sempre úmida, o céu.
do mar eu só via ondas.
só a superfície.lembro que no texto eu começava falando que dormir perto do mar me lembrava todos os dias, que independente de mim, coisas grandes continuavam a acontecer lá embaixo.
no fundo do mar a gente não tem influência nenhuma.
nada ali precisa de mim pra acontecer - e esse pensamento, por muitas vezes, me trouxe uma sensação de desimportância, quase uma insignificância.
não daquelas que te deprimem, mas que te invadem como onda.
saem varrendo tudo.um organismo vivo, selvagem, independente - onde não existem leis, regras, compromissos, cargos.
continua vivendo apesar de você.
o mar é mar apesar de todas nossas crises existenciais, nossas confusões mentais.
o mar é mar apesar de mim e de todas essas vontades que eu tenho, dos planos que eu venho fazendo.
a verdade é que nada ali nos serve. ali tudo nos atravessa.
o tamanho da onda, a correnteza, a maré alta, a vida marinha.
tudo transpassa.dormir perto do mar me coloca no lugar mais perto da terra que eu já cheguei.
os dois pés fincados na areia e com a certeza de que na próxima lua cheia tudo muda, inclusive eu.
cada um se ilude como pode ⦙
a frase tá anotada no meu bloco de notas, não sei quem escreveu, mas achei real. e cruel.
será a ilusão confortável? melhor se sentir bem na ilusão ou sofrer com a verdade? ainda, onde tá essa verdade que a gente tanto busca?
vários nãosaberes.
verdade nem sempre é sobre felicidade.
me lembra do filme Closer, em que os personagens são tão obcecados pela verdade que acabam se destruindo por conta dela. a paixão, naquele caso, parece ser a ânsia de estar sempre mais perto de uma verdade, que no fim das contas, é ilusória. ali, Alice/Jane, a única personagem que guarda partes de si apenas pra si mesma, se liberta do ciclo.
afinal,
dá pra se apaixonar pela verdade?
[e]
se apaixonar é escapar de si?
vários nãosaberes.
+ 2 livros que li em 2 dias ⦙
Luxúria da Raven Leslani.
fui saber mais sobre a autora pois que cérebro, minha gente. e nessa entrevista, diz ela que um dos melhores conselhos que recebeu foi ‘se você está interessada em um assunto, não há vergonha em escrever sobre ele até que você tenha esgotado todas as suas possibilidades. não há problema em se repetir.’
penso que sempre escrevo sobre o mesmo em tudo que é escrito. e tendo a achar que é um problema.
mas com o aval de Raven (e de mim mesma), continuaremos escrevendo sobre escrever, sobre não-saber, sobre prestar atenção no mundo e sobre a brisa que é estar viva.
escrevendo e descobrindo. sabemos.
A PEDIATRA, da Andrea del Fuego, sobre uma mulher bem da filha de puta. é ótimo, juro. quase nos dá o aval de sermos nós mesmas filhas da puta.
somos, vez ou outra.
vai dizer que não?
obrigada por ler e até a próxima,
Jess